terça-feira, 13 de outubro de 2015

Moscou: a chave de ouro

De 30 de maio a 1º de junho/ 2015 – Moscou

De manhã cedo, saímos de São Petersburgo em voo pela Aeroflot e chegamos a Moscou com algum atraso. Nossa guia, muito gentil, está visivelmente preocupada em não perder nem um pedacinho do programa previsto para o primeiro dia na capital da Rússia.
A cidade de Moscou, maior metrópole da Europa, tem uma população de mais de 10 milhões de habitantes. É uma dessas cidades do mundo que até a gente pensa que já conhece, de tanto ouvir falar nela, de ler sobre ela e de vê-la no cinema e na TV. A emoção de ver de perto, porém, é surpreendente. Linda e inatingível em seu íntimo, sua beleza e história complexa são difíceis de decifrar à primeira vista. Quem pode dizer que conhece uma cidade tão grande, em uma visita de apenas três dias?
Sete Irmãs - conjunto da era Stalin, pode ser visto de qualquer ponto da cidade. 
Ao chegar, em primeiro lugar, damos uma volta de ônibus pela cidade, para uma visão panorâmica de vários pontos de interesse turístico. Voo superficial, informações rápidas, que o tempo urge. Já com fome, o maior desejo é um bom almoço, mas o roteiro é seguido à risca. Primeira parada: Catedral de Cristo Salvador. Foi aí que me deixei cativar completamente. A partir desse momento, Moscou passa a ter para mim um significado diferente, um respeito novo.
Catedral de Cristo Salvador

A igreja como cenário de fotos 

Arte sacra na área externa da igreja
 A igreja de Cristo Salvador é uma das mais importantes da cidade, pois nela se celebram as principais cerimônias da Igreja Ortodoxa Russa. É o mais alto templo ortodoxo do mundo, mas não é o maior. Originalmente foi construído no início do século XIX, mas por ordem de Stálin teve seu prédio implodido em 1931, para em seu lugar construir-se um palácio soviético com uma estátua de Lenin tão alta que seria vista de qualquer ponto da cidade. 












Esse projeto não se realizou por dificuldades técnicas e, durante a Segunda Guerra, o lugar transformou-se em parque dotado de piscina pública ao ar livre. O governo punha em prática uma política de repressão religiosa contrária ao espírito fervoroso do povo russo. Em geral, os vários templos do país haviam sido destituídos de sua função original e transformados em armazéns, depósitos e outras funções utilitárias. Este sofreu destruição total. Com o colapso do regime comunista, assim que recuperou a liberdade religiosa, essa comunidade tratou logo de reconstruir a sua igreja. Mas não se edificou outro templo, não se fez projeto novo, não se tratou de inovar nada. Houve um trabalho profundo de pesquisa, planejamento e muita participação. Muitos cidadãos se mobilizaram para encontrar e analisar fotos existentes em poder dos fiéis e nos arquivos públicos, estudaram o projeto arquitetônico original e cada detalhe do antigo edifício. As peças e obras de arte que não tinham sido destruídas foram recuperadas.
O prédio foi reconstruído exatamente como o anterior, empregando-se os mesmos recursos materiais e estéticos. Artistas locais de alto nível foram convocados a colaborar e fizeram um trabalho primoroso de reprodução de todas as obras de arte que não puderam ser recuperadas. Assim, a catedral foi reconstruída a partir de 1994 e reinaugurada em 2000.
Pode-se dizer que essa obra contraria vários princípios da boa preservação de patrimônio histórico e artístico, por se valer de cópias e não de recuperação de obras de arte autênticas. Pois eu acho que, com esse trabalho, conseguiu-se um ganho cultural tão importante quanto o relativo a bens materiais de valor artístico e histórico.  

O Kremlin ao fundo
Resgatou-se ali o respeito pela fé que havia sido vilipendiada e sua participação na história dessa gente. O esforço de refazer o prédio todo, exatamente como tinha ficado na memória da comunidade, é uma expressão de repúdio à repressão, uma demonstração de que o povo não se deixou abater pela prepotência do estado e que foi capaz de refazer o patrimônio coletivo em toda a sua beleza e esplendor. Belo exemplo.


O imenso pátio que contorna a catedral liga-se a uma ponte ornada de gradil de ferro trabalhado, cuja beleza não nos cansamos de admirar, apesar de tão comum na região. 
Daí, tem-se uma bela vista do Kremlin, ao longe, com as torres de sua muralha de tijolos vermelhos.
Belo lugar para iniciar a visita à cidade, com essa visão panorâmica e uma história emocionante para guardar.



Shopping GUM na Praça Vermelha
 O almoço, enfim, foi no Shopping GUM (Glavny Universalny Magazin), na praça Vermelha, lado oposto ao Mausoléu de Lenin.  Essa imensa e belíssima loja de departamentos foi instalada para reaproveitamento do prédio de um antigo mercado ou entreposto de abastecimento, onde a população formava imensas filas para receber sua cota de suprimentos fornecida pelo governo. 


Visão parcial interna do GUM





A edificação é composta de três prédios paralelos interligados, cada um com mais de três andares, formados de lojas cujas fachadas dão para galerias muito compridas que se abrem para um vão central. São lojas, cafés, restaurantes e terraços de alto luxo, com todas as grifes mais famosas do mundo. Ambiente climatizado com umidificadores de ar, simboliza sem dúvida a rendição do país às delícias e riscos do capitalismo.  
 Do lado de fora, pode-se apreciar a imponência da arquitetura desse prédio e sua extensão ao longo da Praça Vermelha. Essa imponência fica mais evidente à noite, quando a iluminação destaca as linhas e detalhes que adornam sua fachada.
Do lado oposto da praça fica a muralha do Kremlin, (que significa fortaleza) o mausoléu de Lenin e os túmulos de vários líderes, inclusive o de Stalin, e o palanque do qual as autoridades soviéticas presidiam as cerimônias oficiais e as paradas militares. O nome da praça não é devido à cor predominante das edificações a seu redor, nem uma alusão ao comunismo, apesar de terem ocorrido nessa praça, durante esse regime, as maiores manifestações do poderio bélico da União Soviética, com suas portentosas paradas militares. A palavra russa, krasnaya, significava tanto vermelho quanto bonito.

Na origem, a intenção era denominá-la Praça Bonita, em referência à beleza da igreja de São Basílio, a primeira edificação do local. Ao que parece, atualmente já não se usa a palavra com seu significado original.
Numa extremidade da Praça, o Museu Histórico

Numa das extremidades da praça, ficam o Museu Histórico e a Catedral da Mãe de Deus de Kasan (mesma devoção de igreja do mesmo nome em São Petersburgo); na outra, a Catedral de São Basílio, o prédio mais famoso da cidade, provavelmente a imagem mais conhecida da Rússia no exterior.

Na extremidade oposta, a Catedral de São Basílio
ou da Intercessão
A Catedral de São Basílio (Vasily) foi construída no século XVI por ordem do czar Ivan IV, como ato de devoção aos santos dos dias em que ocorreram suas mais importantes vitórias militares. A forma do edifício lembra as chamas de uma fogueira subindo aos céus. Em sua origem, o templo denominado Catedral da Trindade compunha-se de um conjunto de oito capelas em redor do edifício central. Basílio era um vidente de grande influência na corte russa e mantinha, com o soberano, relações contraditórias, ora como seu acusador ora como protetor, mediador das graças divinas. Após sua morte, foi considerado santo e o czar mandou construir mais uma capela no conjunto da catedral, sobre o túmulo do amigo Basílio. A partir daí o nome dessa última capela passou a ser aplicado a todo o conjunto, que também é registrado como Igreja da Intercessão. Foi declarado patrimônio mundial pela UNESCO desde 1990, junto com o Kremlin e a Praça Vermelha.

Torre de São Salvador, sobre uma das entradas do Kremlin, com relógio.
No início da noite, que ainda é clara apesar do céu nublado, chegamos cansados ao Hotel, mas felizes com as maravilhas do dia. Noite tranquila, descanso merecido.

O segundo dia em Moscou começa com a turma se preparando para um passeio de metrô. Não um metrô qualquer, mas o famoso e belíssimo metrô de Moscou! Só mesmo vendo para alcançar todo o valor, o significado político e a arte que preenchem as galerias subterrâneas e encantam o olhar de quem passa por lá. Cada estação um tema: o trabalho, as lutas, a juventude, os heróis e os ídolos, os verdadeiros e os de ocasião. Cada tema uma forma de expressão diferente. Impossível descrever tudo, daria um livro. Algumas fotos dessas galerias de arte subterrâneas falam melhor do que as palavras. Ainda bem que aí não são proibidas fotos, como nos museus.




















O metrô nos conduz à entrada do Kremlin, à imensidão dos espaços que cercam a fortaleza (kremlin) onde se encastela a sede do poder, atualmente uma república democrática federativa.


É muito caminho a percorrer a pé, longas distâncias, mas muita coisa boa a ver. Atravessando os passadiços e portões para transpor a muralha de tijolo vermelho, entramos no reduto de um dos governos mais poderosos do mundo. Há construções modernas – relacionadas aos tempos da ditadura do proletariado - e tradicionais – oriundas da pompa imperial e dos caprichos de czares, no tempo em que Moscou e São Petersburgo foram objeto de disputa quanto à láurea de capital do império. 

Entre as construções modernas, vemos um edifício todo em esquadrias de vidro, que reflete os prédios ao redor. Foi construído para abrigar as assembleias  de trabalhadores, representantes do proletariado no exercício do poder. 

O palácio onde Putin exerce seus afazeres de Presidente, é um prédio bem tradicional. Outros bem maiores, antigos palácios da corte imperial, são ocupados pelos gabinetes e repartições do serviço público federal. 







As igrejas, que durante a vigência da União Soviética foram utilizadas como depósitos de armas e armazéns de suprimentos, estão atualmente restauradas em seu esplendor artístico e prestam-se à visitação pública. Muito belas, são ricamente decoradas no estilo das catedrais ortodoxas, com suas torres douradas e o interior revestido de material nobre e ricas pinturas coloridas – sem fotos permitidas. 
Canhão decorativo






Tudo no Kremlin é um pouco exagerado, como, por exemplo um canhão tão grande que nunca pôde ser usado para proteção da fortaleza – seriam necessários vários homens para carregar a arma com essas bolas que vocês estão vendo aí ao lado. Impossível também saber quanta força teria que ter o canhão para projetar tais bombas a uma distância desejável...
Peça decorativa mais destinada a intimidar o inimigo do que a destruí-lo.
Sino sem função 

O sino, pousado no chão do pátio da igreja, jamais pôde ser levado à torre, por causa de seu tamanho e peso descomunal. Para mover seu badalo, um homem tem que entrar dentro do sino, por uma abertura lateral. E o som não atinge a pureza e intensidade do badalar de um sino solto no ar. Bizarro! 






Os jardins são maravilhosos e muito bem tratados. Encantadora também é a paisagem da cidade, avistada ao longe, além do rio que passa de um dos lados da fortaleza onde estamos.
Para encerrar a visita ao Kremlin, a última parada é no Museu da Armada, com uma coleção impressionante de arte decorativa. Aí se podem admirar peças do século IV ao século XX, com predominância dos séculos XVI e XVII, provenientes de várias partes da Rússia e de países estrangeiros. As cortes europeias, nos intervalos de disputas e guerras, presenteavam-se regiamente, entre si, com os mais diversos mimos de grande valor, tais como joias, pratarias, porcelana, e esculturas. Presentes vindos da França, principalmente, são preciosos e de bom gosto inquestionável. 

O vestuário real também pode ser admirado, disposto em manequins em grandes vitrines. Uma galeria de lojas, que expõem finas reproduções de algumas peças desse acervo, exerce forte atração sobre os turistas do mundo inteiro.
Ao sair, nos encontramos nos imensos pátios que dão acesso à estação do Metrô, por onde chegamos nesta manhã. Aí existe uma feira de artesanato e artigos típicos a preços razoáveis. Bonecas e lenços são os produtos mais vendidos. 
O dia está claro e ensolarado, temperatura amena e céu azul. 






Depois de um intervalo para descanso, o ônibus nos leva, ao crepúsculo, para uma excursão pelas maravilhas de Moscou à noite.


Todas as paisagens que vimos são de tirar o fôlego.Dos arranha-céus gigantescos que compõem o centro empresarial e financeiro às pontes e palácios iluminados, tudo ilustra os contrastes de épocas que se sucedem na história e na evolução cultural da Rússia. 


A visão deslumbrante do mosteiro refletido nas águas mansas do rio produz uma sensação de tranquilidade que remete à reflexão e conduz à oração. De quantas glórias e dores essas águas são testemunhas, ao longo de uma história que ainda está em curso! E nós fazemos parte disso tudo, com nosso olhar e desejo de aprender, de entender, de admirar. Moscou é um presente que devemos nos esforçar por merecer. Como tudo de bom na vida, afinal.


Universidade de Moscou - visão sobre um lago

A Praça Vermelha iluminada: GUM à noite.

















O domingo, nosso último dia de viagem, nos oferece a oportunidade de sair do esquema de excursão e sair livres por aí, observando e participando da vida da cidade, num fim de semana primaveril. Andar a pé, ver monumentos e ler os letreiros nas ruas, entrar num shopping e perambular pelos corredores, vendo vitrines e apreciando as pessoas em seu dia de folga semanal. 



















Na rua, uma festa infantil apresenta um espetáculo de teatro e dança, em que atua grupo de crianças lindas sob o olhar orgulhoso dos pais. Muito aplauso, música e balões coloridos. Aquelas bochechas rosadas...


No shopping, jovens artistas ensinam a quem quiser participar, a arte de pintura em tecido, decorando guarda-sóis brancos com tinta de cores alegres. 
Nas lojas, as vendedoras se esforçam para atender as clientes brasileiras, com a máxima gentileza, apesar da dificuldade de tradução por intermédio do Inglês, dominado precariamente por ambas as partes.
Os bares e lanchonetes tentam solucionar essa dificuldade de comunicação, apresentando cartazes ilustrados com os itens do cardápio numerados, de modo que o pedido se faz mostrando o número com os dedos da mão. 
Mac Donald, com seu nome russo

Observa-se que a população ainda não está preparada para o uso do inglês como linguagem turística universal, atitude muito compreensível afinal. Mas se esforça. No impasse, uma vendedora que não sabe inglês logo chama outra para ajudar. A Rússia, nesse quesito, segue os passos da França que custou a render-se ao pragmatismo que atrai clientes e assegura maiores lucros.




Hotel Radisson  - nome russo de difícil pronúncia


No fim da tarde, tomamos o avião para Lisboa e de lá para Belo Horizonte, via São Paulo. Na viagem, quando pensava em me impacientar com o conflito entre a duração do voo e o desejo de voltar para casa, eu me lembrava de que, num passado não muito distante, vivido por nossos contemporâneos mais velhos, a travessia do Atlântico era feita em navio também chamado “vapor”.  A viagem durava semanas e não contava com o conforto dos transatlânticos de luxo atuais. Então eu agradeço a Deus a existência do avião de passageiros, das turbinas a jato, dos pilotos de alto desempenho, da TV a bordo e do aeroporto internacional Tancredo Neves, mesmo com suas reformas intermináveis para a Copa do Mundo. 

No entanto, não posso me esquecer de relatar que a partida de Moscou atrasou, a escala em Amsterdam ficou prejudicada e perdemos o tão sonhado voo direto Lisboa-BH. Mas chegamos! Obrigada aos meus queridos companheiros de viagem, por esta convivência tão agradável e proveitosa. É coisa boa de nunca se esquecer!

Serviço
Em caso de incêndio, use as escadas. Não use elevador.
ATENÇÃO:
Brinde para quem chegou até o fim deste post: uma pequena aula prática do idioma russo (sem som!!!) Mais fácil para quem já sabe inglês! kkkkk
SAÍDA



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